Muito se fala do mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) e da teoria da complexidade, para explicar o contexto organizacional, reflexo de transformações mundiais, que vimos enfrentando.
Lendo recentemente um texto escrito pelo Mauricio Gazire, executivo do mercado financeiro que tem alma de artista, encontrei em sua narrativa poética, várias conexões com meus estudos sobre teorias de aprendizagem em organizações de sucesso como Google e Microsoft e, nosso mundo “vuca”.
Compartilho abaixo parte desse texto e deixo um convite à reflexão e a construção de conexões que façam sentido, à você leitor.
“Se a dor de viver
Me leva a coragem
Faço uma viagem
Pro meio do mundo
Respiro bem fundo
Me viro pra dentro
Pesco o sofrimento
Que me faz morrer…”
(música Pesca Submarina, de Carlinhos Vergueiro e J. Petrolino, 1980).
“Era a começação de desconhecidas tristezas”, parafraseando Guimaraes Rosa em seu livro Corpo de Baile.
A crença de que o ser humano é dotado de livre-arbítrio e que detém o controle da história há muito vem sendo deslocada do lugar ocupado até recentemente.
Kant já dizia que o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.
Em seu “O mal-estar na civilização”, Freud defende o fato de a cultura – termo que o autor iguala à civilização – produzir um mal-estar nos seres humanos, uma vez que existe uma dicotomia entre os impulsos pulsionais e a vida em sociedade.
Adaptar-se à vida em sociedade é como vestir uma camisa de força, que tem o poder de nos oprimir, ainda que junto venham certos benefícios indiscutíveis (bons modos, conhecimento do limites entre deveres e direitos, respeito, etc).
As válvulas de escape, às quais muita gente recorre como forma de lidar contra essa opressão, são as mesmas de sempre e vão perpetuando-se ao longo do tempo: consumo de cachaça ou drogas (lícitas ou ilícitas), prática de esportes, meditação, criação ou contato com a arte produzida por terceiros (shows, teatro, mostras, etc), altruísmo, relacionamentos amorosos, amor e sexo, xingamentos em estádio de futebol, sessões de terapia, ser plateia em lutas livre ou de box (do Coliseu de 2.000 anos atrás ao UFC dos dias de hoje o ser humano segue gostando de ver os outros se digladiando), brincar o Carnaval, ser parte de manifestações sociais e politicas (pacíficas ou não) de rua, etc.
A grande dúvida que tenho é: quanto de mim hoje é ainda resíduo de algo nato que herdei geneticamente e que sobrou até aqui, resistindo à todo esse processo civilizatório; e quanto é influência do meio ou do que é exógeno?
Pedaço de mim, metade afastada de mim…
Em seu conceito mais eliminar e botânico, rizoma é uma raiz.
Mas não aquela raiz padrão que aprendemos a desenhar na escola.
Trata-se de uma raiz que tem um crescimento diferenciado, polimorfo.
Ela cresce horizontalmente, não tem uma direção clara e definida (fugindo, pois, do padrão).
Deleuze e Guattari “roubam” esta definição da botânica para aplicá-la à filosofia, tentando contestar formas de pensamento lineares ou centrados na unidade (o que, concordo com eles, seria simplista demais).
Segundo eles, “não há motivos para seguir uma linha reta, um método cartesiano. As linhas tortas se ligam, se confundem, se espalham, alastram. As conexões se multiplicam, logo, a intensidade também. Aí sim temos a chance de criar novos sentidos, micro-conexões se difundindo, se diluindo, se confundindo, se disseminando”.
Tentando aprofundar um pouco mais a definição desse termo, vale acrescentar que “en un modelo rizomático, cualquier predicado afirmado de un elemento puede incidir en la concepción de otros elementos de la estructura”.
Eu creio muito que esse conceito descrito acima sobre o que é rizoma de um ângulo mais filosófico pode ser extrapolado para a forma como eu vejo a vida: algo que a gente vai levando, sofrendo a angústia inerente à não linearidade do processo, sofrendo transformações constantes, sem nunca saber o que vai dar ou aonde chegaremos (e quanto de nós, como já fomos do passado sobrará mais a frente?).
Ademais, surge um certo questionamento (que as vezes vira irritação) de que tais influências muitas vezes mascaram (se é que não erradicam) traços natos de nossa personalidade, muitos dos quais são ervas daninhas que deveriam ser mesmo mortas, mas também mascaram (no pior dos casos, eliminam) tantos outros que poderiam desabrochar lindamente e que são tolhidos de forma voluntária ou involuntária ao longo desse processo civilizatório.
A dúvida que fica no ar: quanto desperdício isso tudo não deve representar?
Não falo por mim, um reles mortal.
Mas de tantos talentos que devem ter sido desperdiçados ao longo da historia.
Recorro a uma frase de Mario Sergio Cortella, que se encaixa tão bem aqui nesse contexto: “os maiores tiranos da Terra: o acaso e o tempo”.
O acaso é o inevitável e o tempo, por mais que tentamos domá-lo, não há essa possibilidade.
Ainda assim, mesmo com essas tiranias, vamos construindo nossa liberdade, nossa possibilidade, nosso arbítrio.
Mesmo partindo de um pressuposto que, como o mesmo Freud já descobrira, a maioria das decisões humanas é gerada por mecanismos inconscientes e não por opções racionais.
“Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo…”
(letra de Ronaldo Bastos para a magnifica canção “Amor de Índio”)
Como dizia Lacan, “o sentimento mente. Mas é essa mentira que nos permite localizar outro lugar onde estará o grão de verdade faltante”.
São muitas reflexões, por vezes acho que chegará uma hora em que não caberão direito dentro de mim (por vezes chego a pensar que vou explodir num mar transbordante de emoções).
Só sei que, invariavelmente e diante de quaisquer circunstâncias, preservo, ainda e sempre, a antiga crença em valores sólidos, como a dignidade (em especial a dos vencidos e fracassados), bem como na generosidade e humildade, características tão escassas nesses tempos modernos.
Se você gostou, como eu, ou se tem comentários que podem nos ensinar a crescer mutuamente, escreve para gente contando
Um forte abraço
Camila
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